Uma análise Crítica do Posicionamento do
ACSM sobre Treinamento Resistido:
Evidências Insuficientes para os
Protocolos Recomendados.
Ralph N. Carpinelli, Robert M. Otto, Richard A. Winett
Journal of Exercise Physiology – Official Journal of The American Society
of Exercise Physiologists (ASEP) - Vol 7, n 3, june 2.004.
COMENTÁRIOS – Prof. Dr. José Maria Santarem
Neste trabalho os autores fazem uma avaliação critica do posicionamento do
Colégio Americano de Medicina do Esporte sobre treinamento resistido (TR) para
adultos saudáveis, publicado em 2.002. Na introdução do artigo os autores já
esclarecem a origem das divergências. Essa avaliação crítica foi formulada tendo
como referências apenas trabalhos científicos, que na opinião dos autores são as
únicas evidências aceitáveis. O posicionamento do ACSM considerou também a
opinião de pessoas experientes na área.
O conceito de “evidência” nas áreas biológicas é tudo o que a prática sugere ser
verdade. Assim sendo, não são evidências as hipóteses teóricas, e não podem ser
endossados protocolos de treinamento com apenas esse tipo de fundamentação. As
evidências mais fortes são os resultados de trabalhos científicos experimentais,
controlados e randomizados, seguidas dos trabalhos de observação. No entanto, nas
áreas biológicas também costuma-se considerar como evidências as impressões
práticas de quem têm experiência na área. Na falta de boas evidências científicas,
aceita-se que condutas sejam baseadas em vivência prática. No entanto, a opinião de
um determinado grupo nem sempre reflete a opinião da totalidade dos profissionais,
justificando parte das críticas dos autores. Outro aspecto citado neste trabalho é que
alguns posicionamentos do ACSM são baseados mais em considerações teóricas do
que em evidências. As divergências citadas neste trabalho são especificadas nos
seguintes tópicos.
PESOS LIVRES E MÁQUINAS – O ACSM considera que os exercícios com
pesos livres para os grandes grupos musculares são mais eficientes para força e
coordenação, embora tenham execução mais complexa. Este trabalho considera que
as evidências científicas não permitem essa afirmação. Os autores citam vários
trabalhos científicos que demonstraram ganhos similares de força, massa muscular,
potência e resistência, induzidos por pesos livres e por aparelhos.
DURAÇÃO DA REPETIÇÃO – Os autores consideram que a velocidade do
movimento não pode ser medida em segundos, mas sim em graus ou radiantes por
segundo para movimentos angulares ou centímetros por segundo, para movimentos
lineares. Tecnicamente correto, mas com pouco entendimento para quem busca em
um posicionamento as bases para condutas práticas. O ACSM recomenda que as
repetições no TR sejam rápidas, entre 1 e 2 segundos, enquanto que os autores
esclarecem que os trabalhos científicos não confirmam a superioridade de repetições
rápidas ou lentas. O conceito técnico clássico no TR é tentar acelerar a contração
concêntrica e retardar a excêntrica, mas desde que isso não obrigue a diminuir os
pesos para completar as repetições planejadas. Na falta de conclusões científicas, o
ACSM optou por endossar a experiência prática.
FAIXA DE REPETIÇÕES – O ACSM estabelece que as faixas de repetições
devem ser escolhidas dependendo dos objetivos do treinamento: 1-6 para força, 6-12
para hipertrofia e 12 a 25 para resistência. Os autores citam que os trabalhos
científicos sugerem que em todas essas faixas de repetições os ganhos de força,
hipertrofia e resistência são similares. O ACSM optou por endossar as opiniões dos
técnicos experientes, principalmente por considerar que os resultados com pessoas
não treinadas habitualmente estudadas nos trabalhos científicos podem não refletir a
realidade dos atletas. Os autores comentam que os trabalhos científicos demonstram a
superioridade das repetições mais baixas realizadas com maiores pesos apenas para a
densidade mineral óssea.
SÉRIES MÚLTIPLAS – A maioria dos estudos realizados com homens e
mulheres iniciantes, intermediários ou avançados em TR demonstram apenas ligeira
superioridade de séries múltiplas (2 a 4) em comparação com apenas uma série
pesada por exercício. Os autores consideram que as evidências científicas favorecem
a utilização de uma série pesada por exercício, principalmente considerando que o
tempo de treinamento é bastante reduzido em relação à séries múltiplas. A posição do
ACSM considera os dados científicos em associação com a opinião de treinadores
experientes, reconhece que a diferença é pequena a favor das séries múltiplas, mas
recomenda séries múltiplas para os objetivos de força e hipertrofia no caso de pessoas
avançadas em TR.
PERÍODOS DE DESCANSO – com base nos estudos disponíveis, realizados
com não atletas, os autores criticam a recomendação do ACSM de que períodos
longos (mínimo de 2 a 3 minutos) de descanso entre séries e exercícios sejam mais
eficientes para ganhos máximos de força muscular. A posição doACSM mais uma
vez considera os resultados dos trabalhos científicos e a opinião de treinadores
experientes cm atletas.
AÇÃO MUSCULAR – Os autores e também o ACSM concordam que o TR
tradicional com contrações concêntricas e excêntricas produzem resultados superiores
em força e hipertrofia quando comparados com protocolos que utilizam apenas
contrações concêntricas ou excêntricas. No entanto o ACSM cita que as contrações
excêntricas com cargas supra-máximas (pesos maiores do que os usados na contração
concêntrica) podem ser superiores para estimular a força. Os autores não concordam
com essa afirmação em função da ausência de evidências científicas.
FREQÜÊNCIA E DIVISÃO DE TREINAMENTO – O ACSM recomenda que
principiantes em TR utilizem duas ou três sessões de treinamento semanais,
exercitando todos os grupos musculares em cada sessão. Os autores concordam com
essa proposta em função do bom senso, mas deixam claro a ausência de evidências
científicas. Para treinamento completo em cada sessão, o ACSM cita e os autores
concordam, que duas ou três sessões semanais são superiores a uma única, e que não
parece haver diferença importante entre duas ou três. Para praticantes avançados de
TR o ACSM recomenda o treinamento dividido com quatro a seis sessões semanais
de treinamento, sendo cada grupo muscular exercitado de uma a três vezes por
semana, dependendo do número de exercícios e séries utilizado. Seis a dez séries
pesadas no total de dois ou três exercícios por grupo muscular é o recomendado. Os
autores comentam que essa recomendação é baseada apenas na observação do
treinamento de atletas de elite, e que a alta freqüência de utilização de esteróides
anabolizantes nessa população inviabiliza a transferência de seus protocolos de
treinamento para adultos saudáveis não usuários de drogas. Os autores consideram
não haver evidências científicas de que o treinamento dividido seja superior ao
treinamento completo.
PERIODIZAÇÃO – O ACSM considera que o progresso contínuo em TR
avançado depende da chamada “periodização”, definida com a variação periódica de
fatores como a carga, o número de séries e de repetições, o tempo de descanso entre
séries, a ordem dos exercícios, o volume total e a freqüência semanal de treinamento.
Os autores consideram que essa posição não tem fundamentação científica e citam
numerosos trabalhos documentando que o treinamento periodizado não é superior ao
TR progressivo tradicional (em que a única evolução é o aumento progressivo de
cargas).
RESISTÊNCIA MUSCULAR – Os autores discordam do posicionamento do
ACSM de que repetições mais altas, entre 15 e 25, são mais eficientes para aumentar
a resistência muscular, ou resistência de força, definida com o número de repetições
realizadas até a fadiga com uma determinada carga. Os autores citam vários trabalhos
que documentam que a resistência muscular aumenta proporcionalmente ao aumento
de força, que ocorre em todas as faixas de repetições habituais em treinamento,
geralmente entre uma e vinte.
POTÊNCIA – Os autores discordam do posicionamento do ACSM de que a
associação de movimentos explosivos aos movimentos lentos do TR seja necessária
para o desenvolvimento máximo da potência em atletas, e citam falhas nos trabalhos
que levaram a essa conclusão. Os autores citam que o TR tradicional é adequado para
o máximo estímulo à potência, em função do aumento da força. Também citam falhas
nos trabalhos que sugerem a importância do treinamento de potência com
movimentos explosivos para idosos, sendo a sua recomendação apenas uma hipótese
teórica.
HIPERTROFIA MUSCULAR – Os autores enfatizam que a posição do ACSM
no sentido de que volumes altos de treinamento com cargas elevadas constituem a
abordagem mais eficiente para estimular hipertrofia muscular não tem base em
evidências científicas. Os autores citam trabalhos que documentaram hipertrofia com
baixos volumes e baixas cargas em níveis semelhantes aos obtidos com a proposta do
ACSM.
RECOMENDAÇÕES
Os autores enfatizam com base em evidências que os graus de força,
hipertrofia, resistência e potência conseguidos por meio do TR são basicamente
determinados pelas características genéticas individuais e não dependem de
manipulação das variáveis do treinamento. A única variável evolutiva no TR
tradicional reconhecida como diferencial entre o treinamento de principiantes,
intermediários e avançados é a carga utilizada nos exercícios. Por outro lado,
comentam que a evolução das cargas é uma conseqüência do aumento da força e não
o seu determinante. Com base nos trabalhos científicos disponíveis recomendam que
o TR para força, hipertrofia, resistência muscular e potência tenha as seguintes
características:
1) Treinamento completo duas ou três vezes por semana, ou treinamento dividido,
dependendo da preferência individual, exercitando cada grupo muscular de
uma a três vezes por semana..
2) Utilizar pesos livres ou máquinas dependendo do prazer e do conforto
individual, porque não há superioridade comprovada de um equipamento sobre
outro.
3) Realizar os exercícios na faixa de repetições mais confortável, entre 3 e 15,
porque não há superioridade comprovada de uma sobre outra.
4) Descansar o suficiente para que a série seguinte seja realizada com energia,
sem definir um tempo específico de descanso.
5) Realizar apenas uma série pesada de cada exercício, interrompida próximo da
falência total do músculo, porque não há superioridade comprovada de maior
número de séries e nem de esforços supra-máximos.
NOSSA OPINIÃO
1) Concordamos com todas as críticas ao trabalho do ACSM, principalmente em
dois aspectos:
a) A recomendação de movimentos explosivos para idosos tem fundamentação
apenas teórica e não considera que o TR tradicional produz grande aumento de
força e potência. Além disso, em nossa experiência movimentos explosivos em
idosos são mal tolerados e devem ser sistematicamente evitados devido aos
freqüentes processos degenerativos articulares e conseqüente fragilidade,
características dessa população.
b) A necessidade de periodização para induzir graus máximos dos resultados do
TR não é opinião consensual de treinadores experientes, no caso da
Referências bibliográficas, tabelas e gráficos encontram-se no artigo original.
musculação de competição. Numerosos são os exemplos de atletas de alto nível
em musculação de competição que jamais periodizaram o seu treinamento.
2) Não concordamos com autores deste trabalho no procedimento de não
considerar como evidências as opiniões de pessoas experientes na área do TR,
quando consensuais e na falta de boas evidências científicas. Nesse sentido
discordamos das recomendações dos autores nos seguintes aspectos:
a) A abordagem tradicional do TR para o objetivo de força são as repetições
baixas com pesos maiores e os longos intervalos de descanso. Para hipertrofia
o TR tradicional é realizado com repetições mais altas, entre 6 e 20, geralmente
entre 6 e 12, com intervalos de descanso menores do que os utilizados para o
treinamento de força, geralmente entre 1 e 2 minutos. Esses procedimentos não
têm apenas base teórica, mas também muitas evidências de adequação, sendo
praticamente consensual entre atletas e treinadores.
b) Praticantes avançados de TR utilizam quase que consensualmente o
treinamento dividido com mais do que uma única série pesada por exercício.
Se esse procedimento não é uma necessidade fisiológica, pode-se especular que
o treinamento dividido permite maior concentração em cada grupo muscular e
as séries múltiplas contribuam para o estímulo psicológico de sentir os
músculos bem trabalhados, no momento do treino e no dia seguinte. Nossa
recomendação é que deve haver muita atenção para a possibilidade de
interrupção do progresso em função de volume excessivo. Do ponto de vista
prático, recomendamos que sejam realizados de um a três exercícios por grupo
muscular, uma a três séries pesadas por exercício, divisão do treino em duas ou
três partes sempre realizadas sequencialmente, de quatro a cinco sessões de
treinamento por semana, e nunca realizar mais do que três dias de treino
seguidos sem incluir na seqüência um ou mais dias de descanso.